Como negociar com uma criança de quatro anos?

agosto 26, 2015

PALAVRAS DO CORAÇÃO

Chego em casa já noite, em pleno sábado, após horas imensamente agradáveis batendo papo com uma amiga. Caminho pelo corredor, já ouvindo a vozinha inconfundível da criatura mais serelepe e segura de si, aos quatros anos de idade, que conheço! Ela vem em minha direção, transbordando um lindo sorriso e pronunciando a palavra mais doce de todas aos meus ouvidos: “Titiaaaa!!!!” - Bem ao estilo dela, gritado! Discrição não é seu forte!


Abraça minhas pernas e me olha com aqueles olhos azuis enormes e profissionalizados em conseguir o que quer sem grande esforço. Já falei para ela que isso é covardia, é golpe baixo. Quem é que sobrevive a esses olhinhos? 

Ela pede o de sempre, com o maior entusiasmo do mundo: vamos brincar? Mal sabe ela que o gás de pessoas aos quarenta anos é bem menor do que a energia disponível empacotada em um ser com trinta e cinco anos a menos! Para não dizer não, procuro acompanhar o entusiasmo dela à minha maneira, puxando conversa e fazendo brincadeiras que estão ao meu alcance, ao alcance do meu joelho, ao alcance da minha coluna e por aí vai. Até agora tem funcionado e conseguimos nos divertir e dar muitas risadas.

Mas, quem tem criança em casa sabe, e com experiência de sobra, que crianças, assim como adultos, têm seus altos e baixos, porém, com uma enorme, colossal, mega, hiper, super diferença: crianças fazem manha, exageram, dramatizam, choram e precisam ser convencidas com muita, muita, mas muita conversa e paciência. E de brinde, você não pode esquecer que, mesmo com argumentos inteligentes e tiradas surpreendentes, ela só tem quatro anos!

Então, quando percebo que ela está calçando apenas um dos pés de sapato e antes de terminar de perguntar sobre o outro pé, vejo-o a poucos passos de mim, perto do sofá e peço para que ela o coloque, afinal, está frio e o pé no chão gelado não é boa ideia! Mais do que rapidamente, ela começa a mancar e faz cara de sofrimento (do tipo drama teatral) levanta a cabeça para dar um toque de emoção ao momento e com a voz mais dolorosa  que consegue(ainda no esquema teatro dramático) diz: Titiaaa, tô com “estrepo” no dedo!!!  - Num tom do tipo: Como assim??? Você não sabe que eu estou com um “estrepo” no dedo???? 

E lá da cozinha, ouço a avó dizendo que ela só deixaria a titia mexer no seu dedo e mais ninguém. Bem, nesse momento me senti lisonjeada! Inocente essa minha pessoa!  Só depois de muito suor e trabalho duro para tirar o “estrepo” do pé dela é que percebi que ela havia dito isso para ganhar tempo e manter o resto da família, literalmente, longe do pé dela! Esperteza pouca é bobagem!
Mas, até a ficha cair, lá fui eu, solícita e dedicada, fazê-la sentar para dar início a micro cirurgia no enorme dedo e retirada de um surreal, monstruoso, gigantesco pelo, sei lá do que, incrustado superficialmente na pele do dedão! Olhei aquilo e pensei, um segundo e pronto, fácil, rápido e indolor... Ahhh tá! Vinte minutos depois... eu ainda estava negociando o dito cujo do “estrepo”!!

- Me deixa ver? Senta aí e mostra onde está o monstro enorme que entrou no seu dedão. 

- Não é monstro titia, é “estrepo”. –  E olha para mim com cara “você não sabe de nada mesmo, hein!!!”

- Então, mostra o “estrepo” para a tia, eu não vou nem por a mão, quero só ver!

Ela mostra, gemendo sofridamente, como se o próprio lobo mau estivesse pendurado pelos dentes em seu minúsculo pé e diz: 

- Olha... ai... tá doendo (gemido)... ai... não põe a mão titia... ai (outro gemido e com cara feia) ... doe muito mesmo... ai... – E desesperadamente puxa o pé ao menor sinal de movimento meu. Pensei: isso vai dar trabalho...

Mas, teimosa que sou, respirei fundo e fui em frente.

- Criatura, precisamos tirar esse negócio do seu dedo!

- Não, eu não quero tirar, vai doer. –  Com cara de choro e já tentando fugir.

- Pessoinha, se você não tirar isso daí, vai inflamar e você vai ter que ir ao hospital, pois pode infeccionar. Para quê correr esse risco se podemos resolver isso agora? Garanto que não vai doer!!! (sei que usar certos argumentos não são exatamente ideais, mas tem hora que a coisa aperta!)

- Vai doer sim! – Reage toda cheia de si.

Agora, começo minha primeira etapa de negociação:

- Você lembra quando foi preciso fazer um curativo na sua testa? Quem foi que fez sem doer? Foi a titia, não foi? Então, vou fazer igual e pronto, não vai doer, você nem vai perceber que tirei!!!

- Tá bom...

Pego a pinça e olho em direção ao pé, é o suficiente:

- Não!!!! – grita já com uma nova cara de choro!

Respiro fundo... E depois de sei lá quantas tentativas inúteis, com muitas caras de choro, nãos obstinados e ameaças de fuga, sigo para a próxima linha de negociação:

- Que tal tirar um pelinho da tia para você ver que não doe? Você puxa... (a que ponto cheguei!!!)
Com uma cara de satisfação e pinça na mão, muita concentração e cinco minutos depois ela ainda está tentando puxar o tal pelinho... pai amado... pensei, muita calma nessa hora. Dessa vez, consigo convencê-la a me deixar direcionar a pinça e então ela puxa, feliz da vida, como se acabasse de ganhar o Oscar!

- Viu? Não doeu... agora me deixa tirar essa coisinha do seu pé!

- Nãããoooo!!!

Encostei na cadeira como quem entrega os pontos (nesse momento, avó e cunhada se acabam de rir, encostadas no fogão e divertindo-se com minha sofrida missão!) e pensei, é hora de apelar para a chantagem! Não me julguem, existem momentos na vida de uma tia, que depois de tudo, restam poucas opções para solucionar um problema como esse. 

- Se você me deixar tirar, brinco de irmã com você!  - Notei um certo lampejo de alegria e continuei, com esperança renovada, minha missão médica de retirada do “estrepo”.  Ela concordou, mas não deu a pinça. Então perguntei:

- Você não quer brincar de irmã comigo?  Então me dá a pinça!

- Não, eu vou colocar a pinça e você puxa! - Já tentando pegar a pontinha do pelinho...

- Você ainda não tem coordenação motora para pegar o pelinho, eu deixo a pinça pronta e você puxa!

- Não, eu ponho a pinça e você puxa!

- Então não vou brincar de irmã!

- Vai sim!

- Só se eu tirar esse pelo daí... me dá a pinça e isso acaba logo!

- Não! Eu ponho e você puxa!

- Você quer brincar de irmã?

- Quero!

- Então me dá a pinça!

- Não! 

- Então não vamos brincar de irmã!

- Vamos sim!!!

- Não vamos não, você não está me deixando resolver isso! Estamos fazendo um acordo. Eu tiro o “estrepo” e brincamos de irmã!

- Não... vai doer! – Dessa vez, arma uma cara de choro indicativa de alto volume sonoro! Rapidamente, reformulo a minha estratégia e aceito a proposta.

- Tá bom, prepara a pinça...

Me posicionei da melhor maneira possível, foquei a pinça, tão vítima quanto eu desse jogo de nãos e esperei que ela direcionasse a ferramenta da operação “pelo no dedão” do jeito que ela pôde. Antes mesmo que pudesse mudar de ideia, peguei na pinça e puxei... Fui tão rápida que arranquei aplausos da secreta plateia e uma cara de espanto da pequena rebelde. Perguntei exultante:

- Doeu???

- Não. - Ela disse com um meio sorriso no rosto, que quase instantaneamente, transformou-se em ameaça de choro com a seguinte frase:

- Eu é queria tirar!!!!

Pensei novamente, meus pecados estão sendo pagos aqui e agora! E logo em seguida, disse:

- Cadê o pelo? Deve ter caído no chão! – A mãe salvadora, enxerga um pelo no chão, dessa vez da cachorrinha, mas que servia ao propósito! Colocamos o pelo em cima do dedo e demos a pinça para ela. Feliz e contente, tirou o dito cujo do pelo do dedo e ainda desfilou com ele como se fosse um troféu!

- Eu que tirei!!! - Disse cheia de si!!!

Pai, mãe e avó, após presenciarem a novela, aplaudiram o desfecho com muitas gargalhadas, certamente rindo da minha obstinada missão concluída com êxito (tirar o “estrepo” do dedo), mas, principalmente, de todo o enredo causador do meu sofrimento, bem como dos diálogos profundos entre tia e sobrinha, ambas teimosas, ambas decididas a não abrir mão de seu intento, mas que, apesar de tudo, teve um final feliz!

E aí você me pergunta:

- O que é brincar de irmã?

Eu conto vá! Brincar de irmã é sermos irmãs fada e sereia. Ela é a fada rosa e eu a sereia azul! Sou a irmã sereia, pois posso ficar sentada em minha “pedra” à beira do lago mágico imaginário, lutando contra o mal, sem precisar “voar” pela casa, dando saltinhos para representar o bater de asas da fada... isso fica para ela! Hahahaha!!!

Então é isso, mais uma historinha fofa e enlouquecedora sobre essa sobrinha doidinha de pedra, que nasceu de presente de aniversário de 35 anos, dessa tia que adora ensinar coisas novas e malucas para ela!!! 

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Beijos, beijos!!


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